Tenho experimentado um momento ao mesmo tempo terrível e curioso: mantendo-me distante de redes sociais. No meu caso, Twitter e Instagram. É terrível, pois os motivos que me levaram a este distanciamento talvez não tenham sido os mais convincentes para o meu ego, o que me dá uma sensação quase subconsciente de revolta. E é curioso pois a execução deste exercício de escrita talvez só tenha sido possível por não utilizar o Twitter: a ideia surgiu basicamente por não poder postar a imagem do mesinho por lá (mais sobre isso adiante). Quais outras ideias não estão enterradas na minha mente, esperando a luz do sol, enquanto rolo por tempo indeterminado o feed de alguma rede social?
"Mesinho" é uma referência à "semaninha"1: um apanhado, na forma de imagem, dos discos mais ouvidos de alguém durante a semana, gerada a partir de uma ferramenta que utiliza os dados do perfil do Last.fm2, e que é postada geralmente no Twitter por gays de fórum e afins, como sinal de pertencimento aos seus respectivos grupos (quase sempre rinha de fandom de diva pop). Não sou um gay de fórum, apenas um gay, mas acho extremamente satisfatório compartilhar essas estatísticas como forma de destacar o quão não básica eu sou. A frequência que escolhi foi a mensal, pois, por mais que tente, não consigo escutar tanta coisa assim durante a semana e, portanto, a imagem ficaria pobretona.
A ideia é ter um texto desse por mês, onde escolho um número variável de discos, dentre aqueles que geraram a imagem do mesinho, para comentar sobre minhas percepções e sensações sobre eles.

Erika de Casier - Lifetime (2025)
Poucas artistas ousaram ser tão chiques esse ano quanto Erika de Casier neste disco lançado de surpresa. Mérito aos gays do Twitter - sim, eles ainda - por encherem minha timeline com comentários sobre como o álbum é bom, e de fato é. O que mais me pega nele é a referência profunda ao trip hop, um gênero que admiro demais e que foi formativo para o meu gosto musical. Somando-se a isso, tem-se as referências ao pop e ao R&B das décadas de 1990 e 2000, que a artista já é conhecida por explorar de maneira magistral.
À primera escuta, me veio à mente uma artista canadense que há tempo não escuto, Jessy Lanza, pela forma como se dão as batidas, os vocais etéreos e os temas românticos explorados pelas letras. O disco de estreia de Lanza, Pull My Hair Back (2013), foi uma constante durante um período da minha vida em que explorei muita coisa nova e legal. Ter tido certa recordação das sensações daquele tempo, ouvindo de Casier, tem sido bastante interessante.
Jenny Hval - Iris Silver Mist (2025)
- Enxergar beleza no cansaço;
- A
desgraça do fazer artístico; - Uma longa conversa com a sua mãe.
Pink Pantheress - Fancy That (2025)
Tudo em Fancy That é tão instantaneamente gratificante, ligado no 220, como se diz na minha terra, que é quase inevitável não soar, à primeira audição, um pop descartável, quase hedonista. Dedicar um pouco mais de atenção, no entanto, revela as letras vulneráveis, elusivas, entregues de forma intricada e inteligente. A produção é divertidíssima, de bom gosto, difícil não se entregar. São os 20 minutos mais bem empregados da música pop esse ano.
Kelela - Cut 4 Me (2013)
A arte de Kelela tem me tocado profundamente desde o lançamento do álbum Raven (2023). É como se eu precisasse de certo amadurecimento para de fato apreciar seu trabalho, pois conheço a artista desde seu primeiro lançamento. Tive o privilégio de vê-la no festival Primavera Sound de 2023, em São Paulo, onde ela apresentou as músicas daquele disco e outros destaques de sua carreira. Desde então estou (voltei a ser?) arrebatado pela sua entrega nos vocais, a vulnerabilidade das letras, as produções sofisticadas, provocativas e futuristas, mas ao mesmo tempo fincadas num R&B gostoso, viciante.
Este ano, Kelela nos brindou com um bálsamo de disco acústico ao vivo, intitulado In the Blue Light, que já é um dos meus favoritos do ano. Entretanto, influenciado pela ideia de mixtape incutida pelo trabalho mais recente de Pink Pantheress eu decidi revisitar o álbum de estreia de Kelela que, é como uma mixtape, só que com um trabalho mais árduo, complexo, que só a dedicação para criar um disco "de verdade" poderia gerar: Kelela compôs sobre as músicas prontas de diferentes artistas do selo especializado em música eletrônica Fade to Mind.
Eu não ouvia o Cut 4 Me (2013) provavelmente desde a sua entreia, 12 anos atrás. É muito interessante notar como a produção continua afiadíassima, apesar de refletir bem o cenário da música eletrônica da época. Agora, amadurecidas pelo tempo, as composições me soam por vezes ingênuas, flutuando numa aura de romantismo intoxicante que eu não conseguia apreciar nas primeiras audições: me deixava levar mais pelo impacto da vanguarda que as músicas apresentavam na produção. O fato deste ser um trabalho de estreia torna-o uma realização ainda mais fascinante.
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O site homônimo foi o escolhido para a gerar a imagem. Trata-se de uma alternativa brasileira aos sites gringos que fazem a mesma coisa. ↩
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